terça-feira, 19 de agosto de 2014

Escalada vem de berço

Se alguém lhe fizesse a seguinte pergunta: “Quando você começou a escalar?”

Qual seria sua resposta?

Muitos diriam cinco anos, outros dez anos. Mas será mesmo? Talvez pelo modo como a escalada seja vista, de forma profissional e esportiva sim, entretanto se você recebesse a seguinte resposta:


- Comecei a escalar bem cedo, um pouco antes de começar a caminhar, acho que com um ano de idade! – talvez nesse momento você daria boas risadas, achando que se trata de uma piada ou pegadinha. Mas vamos analisar de forma mais aberta e ampla essa afirmativa.




Todos nós nascemos com uma habilidade natural para escalar, e podemos considerar aquele nosso “bercinho” de infância como a primeira “grande montanha” de nossas vidas. Impressiona ver um bebê de pouco mais de três meses, se agarrando nas paredes do berço e tentando se puxar pra cima. Quem tem criança em casa ou na família, sabe das inúmeras ocasiões que esses pequenos nos surpreendem, ao subir em lugares que você jamais imaginava ser possível. Então ao invés de estimular esse dom natural, procurando conduzi-lo com segurança, a maioria das pessoas costuma dificultar esse processo, colocando barreiras que a fazem desistir, e na maioria das vezes inibem completamente o acesso delas nesses locais.

Saindo da fase de bebê, a partir dos dois anos de idade ninguém mais segura essas “feras”. É só ver uma escada, uma árvore, uma pedra grande, um muro, ou qualquer outra situação que seja possível “escalar” que lá estão eles, cheios de energia para superar o obstáculo, demonstrando um grande orgulho quando conseguem atingir o objetivo.

Ao longo da vida vamos perdendo esse fascinante instinto, devido ao modo como as sociedades vivem hoje, acreditando que essa atividade não se encaixa mais na vida moderna que levamos.

Em 2012, li um artigo muito interessante que foi publicado no site altamontanha.com, da educadora física e escaladora Debora Hashiguchi de São Paulo, em que a mesma propõe que a escalada é uma atividade fundamental para o desenvolvimento humano desde o nascimento. Ela vai mais além, citando a escalada no combate a doenças como Alzheimer e também para evitar o sedentarismo e depressão.




Por Debora Hashiguchi

O corpo humano é um sistema bastante complexo, vários órgãos e membros, abundantes articulações com diferentes graus de liberdade e muitas combinações para tudo isso. Você já parou para pensar como é que aprendemos a organizar e utilizar nosso corpo e todos os recursos que ele oferece? Já se perguntou se o está fazendo da melhor forma? Ou o que poderia fazer para envelhecer de forma mais saudável? Você foi feito para escalar, subir é uma atividade natural do ser humano, praticada desde o nascimento e, pelo menos, durante o desenvolvimento dos seus primeiros anos de vida.

Os primeiros movimentos de um recém-nascido são reflexos involuntários, fonte de informação sobre a saúde neuromotora, e seu estímulo desencadeia o desenvolvimento dos movimentos voluntários. Ao nascer, as mãos já são utilizadas para agarrar tudo o que tocam, nesta fase o recém-nascido escala involuntariamente. Quando colocamos um brinquedo pendurado em cima de um berço o bebê aprende a controlar os movimentos dos braços e das mãos, uma ferramenta multifuncional do corpo humano, e a partir deste controle tudo o que fazemos é escalar voluntariamente. O bebê aprende a se sentar utilizando as mãos para se agarrar, puxar e empurrar “coisas”, coordenando os movimentos dos braços e das mãos e fortalecendo a musculatura para sustentação do corpo na posição vertical. Ao engatinhar aprende a coordenar os movimentos das pernas e braços juntos, prática fundamental na escalada; para ficar em pé escala, literalmente, as grades do berço e os móveis da casa. Toda criança, gosta de escalar árvores e muros, nos parques gosta de brinquedos onde possa agarrar e subir, agarrar e balançar, agarrar e deslizar, toda criança tem uma tendência natural em agarrar e subir “coisas”, o desafio de subir “grandes” alturas é visto como um convite para uma divertida brincadeira. Pode-se dizer que a escalada faz parte do desenvolvimento humano, uma vez que utilizamos esta técnica desde que nascemos.

Correr, saltar, chutar, arremessar entre outras, o bom desenvolvimento destas habilidades são totalmente dependentes do desenvolvimento do esquema corporal (comportamento do corpo), consciência corporal (conhecimento do corpo) e controle corporal (uso consciente do corpo) e a escalada, atividade mais básica e mais praticada pelo ser humano nesta fase, trabalha todos estes aspectos e muito mais. Então, com todos os benefícios da atividade, porque não continuar a escalar?

Quem observa uma criança se divertindo em um parque infantil é testemunha de sua alegria ao escalar os brinquedos. O que é tão divertido? O que é tão bom? Talvez hoje não seja tão óbvio, mas estas são pequenas conquistas da autoestima na superação de limites, é isso que nos faz feliz, saber que você pode e que você consegue. O ser humano procura por superações por toda a vida, mas muitas vezes não sabe onde ou como encontrá-las. Quanto maior sua habilidade na escalada, maior suas chances de sucesso em outras tarefas e empreitadas, menor chance de decepções. A escalada trabalha todas as capacidades físicas: resistência, força, velocidade, agilidade, flexibilidade, equilíbrio e coordenação motora, mais que um esporte é uma atividade física e como qualquer atividade física combate os maiores vilões do século como o sedentarismo, depressão e doenças crônico degenerativas.

Além do aspecto motor, a capacidade cognitiva também é bastante exigida na escalada, você tem que se concentrar no que vai fazer, lida com constantes desafios, está sempre calculando a resolução de seus “problemas” e utiliza o raciocínio lógico para otimizar sua movimentação, estes desafios cognitivos de concentração e memória contribuem para a prevenção e minimiza efeitos de doenças degenerativas como o Alzheimer.

Se todos estes benefícios ainda não são motivos suficientes para você iniciar a prática da escalada podemos ainda citar seus benefícios sociais: o controle da ansiedade é uma exigência constante, a superação de seus limites, traz mais autoconfiança, portanto, mais felicidade para o ser humano, você é um “superador” e um conquistador. Em um ambiente de escaladores você encontra muitas tribos diferentes com diferentes personalidades, mas nunca vai encontrar pessoas estressadas, mal humoradas, deprimidas ou com qualquer aspecto negativo, o ambiente de escalada é alegre, descontraído, as pessoas se apoiam, cooperam, se ajudam, torcem umas pelas outras, convivem muito bem. Quando você está escalando está sempre na companhia de alguém em quem tem que confiar e com quem tem que cooperar, muitas vezes está em contato com a natureza aprendendo a conviver com ela, respeitando-a, trabalhando a integração de mínimo impacto com outros e com ambientes naturais.

A escalada é um esporte completo: físico, social e psicológico. Hoje em dia, infelizmente, os mitos e lendas sobre os “perigos” da escalada faz muitos abandonarem esta prática já na fase da adolescência e o desenvolvimento desta atividade regride e se estabiliza. O ser humano se dá por satisfeito e não chega a se aproveitar dos maiores benefícios deste desenvolvimento e nem ver a beleza do que está acima de sua própria cabeça. Porque parar por aí? O desenvolvimento acaba sendo subaproveitado e muitos dos seus benefícios não sendo alcançados. Nos dias de hoje, onde as responsabilidades profissionais estão cada vez mais presentes nas 24hs da vida das pessoas, a escalada é atividade essencial para o desenvolvimento de suas potencialidades.

Existem muitas modalidades diferentes de escalada, qualquer pessoa, de qualquer cultura e com qualquer classe social pode encontrar no universo da escalada uma que se encaixe no seu perfil, que lhe proporcione maior prazer, que a faça mais forte, enfim que desenvolva todas as suas potencialidades para uma vida mais autoconfiante, com maiores conquistas, mais saudável. Como dizem os escaladores: “Kmon”, vamos escalar, vamos ser felizes.

Debora Hashiguchi, formada em Educação Física (1997), especialista em Treinamento Desportivo (2006) e escaladora desde 2003.

Fonte: www.altamontanha.com








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