segunda-feira, 20 de outubro de 2014

SUPERCOMPENSAÇÃO ou APRIMORAMENTO NEUROMUSCULAR

Após algumas semanas sem algo novo no blog, segue um artigo muito bom e muito didático sobre um dos princípios mais interessantes no que diz respeito ao treinamento esportivo; a SUPERCOMPENSAÇÃO.

É um artigo bem breve e genérico perto do vasto estudo sobre o tema, entretanto pode dar uma boa orientação para melhorar o modo como você vem treinando. 

A partir disso você poderá planejar melhor seus ciclos de treinamento, através de uma boa periodização e planificação de treino, mas isso é assunto de outros post's. Boa leitura!



Publicados nos sites:
www.webventure.com.br/
www.educacaofisica.com.br/


Muitas pessoas que praticam atividades físicas se interessam pelas teorias envolvidas no treinamento, seja lendo em colunas escritas para leigos em jornais e revistas, seja em artigos científicos publicados em periódicos indexados nacionais e estrangeiros. Em muitos (tá bom, me empolguei: em alguns) textos vemos referências a tal “supercompensação”. Mas, compensação de quê?

Este termo é usado erroneamente, segundo o fisiologista Jürgen Weineck, para designar “aprimoramento neuromuscular”, ou seja, a melhora na coordenação nervosa dos processos de velocidade e flexibilidade. Fisiologicamente falando, a supercompensação pode ser definida como um aumento do potencial energético sob a forma de aumento das reservas intracelulares de glicogênio muscular e hepático.
Enrolado? Então vamos tentar desenrolar.

Após um determinado número de sessões de treinamento ocorrem adaptações crônicas que levam o organismo a um patamar mais alto de condicionamento físico do que o estágio anterior.
Se continuarmos treinando na mesma intensidade, após as adaptações crônicas terem ocorrido, não aumentaremos mais o nível de condicionamento, ficando indefinidamente neste patamar até ocorrer uma seqüência de estresse suficientemente mais intenso que a seqüência anterior. Nesta hora ocorre a quebra da homeostase (processo de regulação do organismo que mantém o equilíbrio das funções corporais), nos levando para outro nível mais alto de condicionamento físico.

É neste ponto que entra a supercompensação! Durante a sessão de treinamento (principalmente em atividades aeróbicas), ocorre o uso e, muitas vezes, o gasto total das reservas de glicogênio muscular e hepático, substrato responsável, junto com a gordura, pela geração de energia utilizada na atividade física. Como o organismo possui uma quantidade armazenada de glicogênio muitas vezes menor que a de gordura, será ele o limitador do tempo da atividade.

“Sim, mas onde está a tal supercompensação”? Aqui! O organismo, extremamente sábio, percebe que a quantidade usual de glicogênio não está sendo suficiente para suas atividades cotidianas (as sessões de treinamento). Assim, ele (o organismo) decide armazenar uma quantidade maior de glicogênio para fazer jus às novas exigências. Simples, não? É só nos alimentarmos bem e teremos sempre a quantidade de glicogênio que necessitaremos mais adiante.

Sinto muito acabar com sua alegria, mas a coisa não é tão fácil assim. Este armazenamento é custoso para o organismo. Ironicamente, para armazenar energia gastamos energia. E nosso corpo odeia isto! Passamos a vida inteira minimizando o gasto energético. Quando o organismo percebe que algum excesso de energia armazenada não está sendo utilizado, ele joga fora.


Gráfico 1

Observando o Gráfico 1, que mostra a quantidade de glicogênio armazenado no organismo, vemos o intervalo AB acontecer durante a atividade física. Ao término da atividade, no ponto B, o organismo inicia um novo processo de armazenamento, indicado no intervalo BC. Por “esperteza” do organismo, como vimos anteriormente, o intervalo CD é o acúmulo acima do nível usual para fazer face a um novo estresse que pode acontecer em breve. Esta é a tão falada supercompensação! E aqui está o segredo do treinamento: iniciar a próxima sessão de treino exatamente no ponto D, antes que o organismo se arrependa de ter armazenado tanta energia e comece a jogá-la fora (intervalo DE).


Gráfico 2


O Gráfico 2 representa a situação ideal, onde as novas sessões de treinamento acontecem no exato momento da supercompensação provocada pela sessão anterior.

Se, ao invés disso, a próxima sessão ocorrer no ponto E (Gráfico 1), é fácil entender porque treinamos todos os finais de semana (e apenas neles!) e não melhoramos nossa performance. Simplesmente, iniciamos cada sessão como se fosse a primeira vez!

Agora eu te pergunto: e, contrariamente, se a próxima sessão de treinamento ocorrer cedo demais, em algum ponto do intervalo ABC (Gráfico 1), antes da supercompensação? O Gráfico 3 mostra que ocorrerá uma redução do desempenho esportivo, ou seja, você piorará cada vez mais. Deduz-se daí que o descanso é fundamental para o treinamento!


Gráfico 3



Agora, a pergunta que não quer se calar: “Que intervalo mágico entre uma sessão e outra devo adotar”? Infelizmente, tenho que confessar, não há mágica neste assunto. Apenas, muita pesquisa científica em laboratório e muita experiência prática em campo. Para dar uma idéia da complexidade e do ninho de vespas que representa este importantíssimo detalhe no planejamento do treinamento, analisemos uma situação. Segundo os fisiologistas Mathews e Fox, a recuperação do glicogênio muscular após uma sessão de 1h30 de exercício contínuo acontecerá entre 10 e 48 horas. Se o exercício for intervalado, o tempo de recuperação cairá para algo entre 4 e 24 horas.

O que isto significa? O ponto ótimo de supercompensação do glicogênio muscular (ponto D no Gráfico 1) estará entre 10 e 48 horas, no primeiro caso. Ou seja, você deveria realizar uma nova sessão de treinamento em algum momento deste intervalo, tentando arriscar estar neste ponto. Mas, que momento? Ahhhh!... Só a prática e a experiência do seu Preparador Físico, associada ao tempo que ele te treina, poderão concluir isto. Sem contar o fato prático de que somente atletas profissionais em tempo integral podem dispor de todo o tempo do dia para treinar, estando livre para obedecer esta matemática fisiológica. O atleta amador pode aproveitar a informação de que em 48 horas terá todo o glicogênio muscular recuperado (no caso do treino contínuo prévio), não devendo passar deste limite máximo para realizar uma nova sessão, pois correrá o risco de treinar após o ponto E (Gráfico 1), o que o levará para a péssima situação mostrada no Gráfico 3.



Bons treinos...



sexta-feira, 12 de setembro de 2014

TREINAMENTO - Princípios Fundamentais

A escalada é um esporte muito cativante e envolvente. Quem escala sabe disso, e ao longo do tempo percebe os inúmeros benefícios decorrentes dessa atividade.

Qualquer pessoa (salvo em alguns casos específicos) pode escalar, conseguindo atingir resultados satisfatórios em pouco tempo, sem muito esforço. Entretanto, chegamos a um momento no qual precisamos realizar treinamentos específicos e programados se quisermos aumentar nosso grau de dificuldade na escalada.

O treinamento físico é um processo bastante complexo, e para atingir o resultado esperado devemos associar diversos fatores cuja explicação e entendimento não dependem apenas do conteúdo programado, mas também do acompanhamento de um técnico ou professor que irá nos conduzir de forma adequada, explorando ao máximo nossos limites, da forma mais segura e eficiente possível.

Apesar disso, a maioria dos escaladores que buscam o alto rendimento se exercita sem uma orientação adequada, o que pode oferecer sérios riscos para o organismo e para a saúde do atleta, devido à falta de conhecimento sobre seu próprio corpo e metodologias de treinamento, violando princípios básicos e fundamentais do treinamento desportivo.

Tendo em vista a grande carência de informação que ainda existe em nosso meio, procuraremos abordar ao longo desse blog diversos artigos relacionados ao treinamento esportivo. Para isso serão necessários inúmeros post’s, e contamos com sua participação e paciência, uma vez que o campo de pesquisa é muito amplo e ainda com uma linguagem muito científica. Nossa ideia é passar esse conhecimento da forma mais didática possível, com clareza e objetividade. Mas lembre-se que nada substituirá a figura de um bom técnico, contudo podemos minimizar alguns riscos decorrentes de treinamentos inadequados.

Para que um processo de treinamento seja realmente eficiente, o mesmo deve ser planejado e programado com base em alguns princípios, denominados de PRINCÍPIOS DO TREINAMENTO ESPORTIVO.

Mas antes de falarmos sobre esses princípios propriamente ditos, é importante definir o conceito de treino e relacioná-lo com seus objetivos, que constituem a base de trabalho a qual será desenvolvida.

O treino consiste num conjunto de estímulos organizados (exercícios ou sessões), planejados e realizados ao longo do tempo, com o objetivo de aumentar nosso desempenho numa determinada atividade.

É importante salientar as diferenças entre um processo organizado e o esforço desorganizado, que não respeite os princípios fundamentais do treino:

  • Desempenho – o treino adequado permite atingir resultados superiores;
  • Eficiência – com o planejamento adequado, conseguimos obter os resultados pretendidos em menos tempo e com menos esforço;
  • Segurança – diminui o risco de lesão e aumenta a longevidade do atleta. 

É muito comum ver amigos escaladores fazerem seus “treinos” de forma aleatória e esporádica, sem planejamento e intervalos adequados. Podemos notar que essas pessoas dificilmente obtêm resultados satisfatórios, e quando os têm, vem acompanhado de dores musculares e de eventuais lesões.

Quando falamos em processo de treino, o mesmo se trata de um conjunto de fatores que devem estar interligados para elevar o nível do desempenho. Para tal, se torna necessário planejar a sessão de treino, adequando o tipo e o nível de esforço ao nosso objetivo principal. Paralelamente a isso, é necessário planejar a recuperação, e esse é um fator frequentemente esquecido pela maioria.

Mas para que treinar?!

A definição dos objetivos é sempre o primeiro passo na elaboração de um plano de treino. Apesar de parecer óbvio e desnecessário, merece destaque, pois a importância deste primeiro passo é na maioria das vezes menosprezada. São esses objetivos que irão nos manter focados no treino a ser realizado, principalmente nos dias de desmotivação ou de maior sofrimento; são eles que nos farão superar as dificuldades e superar nossas limitações. Sem objetivos, o treino fica à deriva e na maioria das vezes ficamos sem realizá-lo.

Após estabelecer seus objetivos, chega o momento de definir quando e como chegar lá. Num primeiro momento parece complicado (e realmente é), devemos ter em mente que poderemos ter diversos contratempos ao longo do período proposto, com algumas interrupções entre as sessões de treino. Procure analisar bem o tempo que você tem disponível, e na medida do possível seguir à risca todo o planejamento, afinal seu sucesso depende disso.



PRINCÍPIOS DO TREINAMENTO ESPORTIVO

Podemos dizer que os princípios do treinamento são um conjunto de pressupostos, comprovados cientificamente, em que se baseiam os meios e métodos de treino que se desenvolvem. Uma espécie de “Constituição” a partir da qual desenvolvemos um “Código Legal” do treino. Existem diversos princípios, com algumas variações entre autores, mas essencialmente temos os seguintes:


PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIDADE BIOLÓGICA: é o fenômeno que explica a variabilidade entre elementos da mesma espécie, o que faz com que não existam pessoas iguais entre si. Cada ser humano possui uma estrutura, formação física e psíquica própria. O treinamento individual tem melhores resultados, pois irá obedecer as características e necessidades do atleta. Devemos verificar as nossas potencialidades, necessidades e fraquezas, para que o treinamento tenha um desenvolvimento efetivo e consistente. O ideal é realizar diversos testes de tempos em tempos, e a partir dos resultados elaborar o plano de treino.


PRINCÍPIO DA CONSCIENTIZAÇÃO: devemos ter a consciência da tarefa que estamos desenvolvendo, saber para que serve e seus benefícios. Para o caso da conscientização da técnica, podemos obtê-la através da figura do técnico, companheiros de escalada, observação de vídeos de outros escaladores e de si mesmo.


PRINCÍPIO DA ADAPTAÇÃO: podemos dizer que este é o princípio mais universal e importante da vida, uma vez que não fosse essa capacidade de adaptação, várias espécies não teriam conseguido sobreviver ao longo dos tempos e em diferentes ambientes. O próprio homem existe hoje devido à sua capacidade de se adaptar nas diferentes condições do planeta e suas transformações ao longo dos séculos. Todas as pessoas possuem um estado de equilíbrio denominado homeostase. Toda vez que realizamos um exercício físico, acontece certo estresse fisiológico e psicológico ao organismo, o qual responde conforme a intensidade e duração do estresse aplicado. Esse princípio diz que é necessário impor ao organismo um estresse suficiente para a quebra da homeostase, a fim de gerar uma melhora no condicionamento físico.


PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE: para que se processem adaptações que conduzam a uma melhoria da capacidade física, é necessário que os estímulos fornecidos ao organismo através do treino aconteçam regular e repetidamente, com uma periodicidade que é determinada pela adaptação pretendida. Mesmo um atleta que treina há muitos anos, poderá perder seu excelente condicionamento físico caso permaneça por longos períodos sem exercícios físicos. Esse princípio enfoca que devemos permanecer ativos a fim de não regredir na condição física.


PRINCÍPIO DA SOBRECARGA: ao longo das sessões de treino, o atleta desenvolverá um nível de condicionamento superior ao padrão inicial, dessa forma é necessário incrementar o nível de estresse sobre o corpo. Dessa forma quebramos a homeostase e novamente ocorrerá um aumento no condicionamento físico. A sobrecarga do treinamento deve ser progressiva, entretanto, é necessário planejar momentos de baixa intensidade a fim de oferecer momentos de recuperação ao organismo.


PRINCÍPIO DO VOLUME-INTENSIDADE: para fins práticos de entendimento, podemos dizer que o volume ser refere à quantidade de exercícios, movimentos, repetições e etc., enquanto que a intensidade corresponde ao quanto é difícil determinado exercício. Ambos estão presentes em qualquer treinamento físico e são inversamente proporcionais: quando o volume aumenta, necessariamente a intensidade diminui, e vice-versa.


PRINCÍPIO DA ESPECIFICIDADE: como o próprio nome diz, esse princípio prega que o treinamento deve ser planejado para estimular a musculatura e sistemas específicos do corpo da maneira mais semelhante ao objetivo ou modalidade almejada. Isso quer dizer que quanto mais próximo do objetivo for o plano de treino melhor será o resultado, ou seja, não adianta fazer centenas de movimentos no muro de escalada, ou conseguir realizar dezenas de dominadas (barras), se o seu objetivo é ganhar força máxima de contato para mandar um boulder de seis movimentos.


PRINCÍPIO DA VARIABILIDADE: parece ser contraditório ao anterior, entretanto o termo variabilidade quer dizer que devemos variar a forma e os tipos de exercícios a serem realizados nos planos de treino. Dessa forma, quanto maior for a diversificação dos estímulos, maiores serão as possibilidades de atingir um melhor desempenho. A aplicação deste princípio diminui a possibilidade de chegar a um “platô” no treinamento, ou mesmo a fatores desestimulantes, agindo sim de forma contrária, motivando e desenvolvendo novas técnicas de treinamento, estratégias, táticas, entre outras. Deve-se ter bastante criatividade.


Esses são princípios fundamentais a serem levados em consideração na hora de montar seu plano de treinamento. Claro que existem outros, inclusive o princípio da inter-relação entre eles, onde cada princípio assume uma importância maior quando associado a outros princípios. Dessa forma podemos concluir que somente com o conhecimento de todos os princípios é possível realizar um treinamento ideal e eficaz.

No próximo post, iremos abordar um princípio muito importante que deixamos de comentar aqui, muito conhecido e almejado pelos "planificadores" mais assíduos, a famosa SUPERCOMPENSAÇÃO, mas ela por si só merece um artigo à parte.

Bom treino a todos e bons ventos...

terça-feira, 2 de setembro de 2014

OGRO'S FESTIVAL 2014

Prepare seus DEDOS, seus BRAÇOS e sua SEDE!
 
Dias 20 e 21 de setembro de 2014 ocorre a 3º edição do OGRO'S FESTIVAL, na Gruta da 3º légua, em Caxias do Sul! Fazendo uma brincadeira com a fama dos escaladores locais (em função das vias negativas é necessário muita força pra escalar nesse point), o festival deste ano também será o evento de comemoração dos 20 anos da ACM (Associação Caxiense de Montanhismo)!


 
Entre as atrações previstas estão:
 
* Desafio Cadena: a cadena de grau limite do escalador, no dia do evento, será comemorada com a exclusiva Ogro's Beer!

* Mostra Fotográfica: cada inscrito tem o direito de enviar uma foto, que será impressa em tamanho grande e exposta durante o evento. Ao fim do festival o participante terá direito de levar sua foto para casa.

* Apresentação do novo setor esportivo Santa Justina: um grupo de escaladores locais está equipando um novo setor, que será divulgado após o jantar e liberado para toda comunidade escaladora usufruir das vias no dia 21/09.

* Ogro's Beer: estará a venda essa cerveja artesanal e exclusiva, estilo American Pale Ale, ideal pra quem fez força o dia inteiro nas vias da Gruta!

* Jantar Colonial: jantar típico italiano para recuperar as forças do dia e preparar as energias para o dia seguinte de escalada!

* Bazar de Equipos: tá com equipamentos sobrando em casa? Trás pro festival e negocia com a turma!
 
Inscrições até o dia 12/09 através do e-mail pinus_rupestre@hotmail.com ou no Ginásio V10!

R$ 35,00 para associados (de qualquer entidade ligada ao montanhismo)
R$ 40,00 geral
 
Mais informações no 54 9122.3526 (Matheus) ou www.acm-rs.org.br 

Confere o cardápio OGRO, pra recuperar a energia gasta nas escaladas do dia:
Macarrão
Maionese
Salsichão
Galeto
Polenta frita
Salada verde
Pão colonial


terça-feira, 19 de agosto de 2014

Escalada vem de berço

Se alguém lhe fizesse a seguinte pergunta: “Quando você começou a escalar?”

Qual seria sua resposta?

Muitos diriam cinco anos, outros dez anos. Mas será mesmo? Talvez pelo modo como a escalada seja vista, de forma profissional e esportiva sim, entretanto se você recebesse a seguinte resposta:


- Comecei a escalar bem cedo, um pouco antes de começar a caminhar, acho que com um ano de idade! – talvez nesse momento você daria boas risadas, achando que se trata de uma piada ou pegadinha. Mas vamos analisar de forma mais aberta e ampla essa afirmativa.




Todos nós nascemos com uma habilidade natural para escalar, e podemos considerar aquele nosso “bercinho” de infância como a primeira “grande montanha” de nossas vidas. Impressiona ver um bebê de pouco mais de três meses, se agarrando nas paredes do berço e tentando se puxar pra cima. Quem tem criança em casa ou na família, sabe das inúmeras ocasiões que esses pequenos nos surpreendem, ao subir em lugares que você jamais imaginava ser possível. Então ao invés de estimular esse dom natural, procurando conduzi-lo com segurança, a maioria das pessoas costuma dificultar esse processo, colocando barreiras que a fazem desistir, e na maioria das vezes inibem completamente o acesso delas nesses locais.

Saindo da fase de bebê, a partir dos dois anos de idade ninguém mais segura essas “feras”. É só ver uma escada, uma árvore, uma pedra grande, um muro, ou qualquer outra situação que seja possível “escalar” que lá estão eles, cheios de energia para superar o obstáculo, demonstrando um grande orgulho quando conseguem atingir o objetivo.

Ao longo da vida vamos perdendo esse fascinante instinto, devido ao modo como as sociedades vivem hoje, acreditando que essa atividade não se encaixa mais na vida moderna que levamos.

Em 2012, li um artigo muito interessante que foi publicado no site altamontanha.com, da educadora física e escaladora Debora Hashiguchi de São Paulo, em que a mesma propõe que a escalada é uma atividade fundamental para o desenvolvimento humano desde o nascimento. Ela vai mais além, citando a escalada no combate a doenças como Alzheimer e também para evitar o sedentarismo e depressão.




Por Debora Hashiguchi

O corpo humano é um sistema bastante complexo, vários órgãos e membros, abundantes articulações com diferentes graus de liberdade e muitas combinações para tudo isso. Você já parou para pensar como é que aprendemos a organizar e utilizar nosso corpo e todos os recursos que ele oferece? Já se perguntou se o está fazendo da melhor forma? Ou o que poderia fazer para envelhecer de forma mais saudável? Você foi feito para escalar, subir é uma atividade natural do ser humano, praticada desde o nascimento e, pelo menos, durante o desenvolvimento dos seus primeiros anos de vida.

Os primeiros movimentos de um recém-nascido são reflexos involuntários, fonte de informação sobre a saúde neuromotora, e seu estímulo desencadeia o desenvolvimento dos movimentos voluntários. Ao nascer, as mãos já são utilizadas para agarrar tudo o que tocam, nesta fase o recém-nascido escala involuntariamente. Quando colocamos um brinquedo pendurado em cima de um berço o bebê aprende a controlar os movimentos dos braços e das mãos, uma ferramenta multifuncional do corpo humano, e a partir deste controle tudo o que fazemos é escalar voluntariamente. O bebê aprende a se sentar utilizando as mãos para se agarrar, puxar e empurrar “coisas”, coordenando os movimentos dos braços e das mãos e fortalecendo a musculatura para sustentação do corpo na posição vertical. Ao engatinhar aprende a coordenar os movimentos das pernas e braços juntos, prática fundamental na escalada; para ficar em pé escala, literalmente, as grades do berço e os móveis da casa. Toda criança, gosta de escalar árvores e muros, nos parques gosta de brinquedos onde possa agarrar e subir, agarrar e balançar, agarrar e deslizar, toda criança tem uma tendência natural em agarrar e subir “coisas”, o desafio de subir “grandes” alturas é visto como um convite para uma divertida brincadeira. Pode-se dizer que a escalada faz parte do desenvolvimento humano, uma vez que utilizamos esta técnica desde que nascemos.

Correr, saltar, chutar, arremessar entre outras, o bom desenvolvimento destas habilidades são totalmente dependentes do desenvolvimento do esquema corporal (comportamento do corpo), consciência corporal (conhecimento do corpo) e controle corporal (uso consciente do corpo) e a escalada, atividade mais básica e mais praticada pelo ser humano nesta fase, trabalha todos estes aspectos e muito mais. Então, com todos os benefícios da atividade, porque não continuar a escalar?

Quem observa uma criança se divertindo em um parque infantil é testemunha de sua alegria ao escalar os brinquedos. O que é tão divertido? O que é tão bom? Talvez hoje não seja tão óbvio, mas estas são pequenas conquistas da autoestima na superação de limites, é isso que nos faz feliz, saber que você pode e que você consegue. O ser humano procura por superações por toda a vida, mas muitas vezes não sabe onde ou como encontrá-las. Quanto maior sua habilidade na escalada, maior suas chances de sucesso em outras tarefas e empreitadas, menor chance de decepções. A escalada trabalha todas as capacidades físicas: resistência, força, velocidade, agilidade, flexibilidade, equilíbrio e coordenação motora, mais que um esporte é uma atividade física e como qualquer atividade física combate os maiores vilões do século como o sedentarismo, depressão e doenças crônico degenerativas.

Além do aspecto motor, a capacidade cognitiva também é bastante exigida na escalada, você tem que se concentrar no que vai fazer, lida com constantes desafios, está sempre calculando a resolução de seus “problemas” e utiliza o raciocínio lógico para otimizar sua movimentação, estes desafios cognitivos de concentração e memória contribuem para a prevenção e minimiza efeitos de doenças degenerativas como o Alzheimer.

Se todos estes benefícios ainda não são motivos suficientes para você iniciar a prática da escalada podemos ainda citar seus benefícios sociais: o controle da ansiedade é uma exigência constante, a superação de seus limites, traz mais autoconfiança, portanto, mais felicidade para o ser humano, você é um “superador” e um conquistador. Em um ambiente de escaladores você encontra muitas tribos diferentes com diferentes personalidades, mas nunca vai encontrar pessoas estressadas, mal humoradas, deprimidas ou com qualquer aspecto negativo, o ambiente de escalada é alegre, descontraído, as pessoas se apoiam, cooperam, se ajudam, torcem umas pelas outras, convivem muito bem. Quando você está escalando está sempre na companhia de alguém em quem tem que confiar e com quem tem que cooperar, muitas vezes está em contato com a natureza aprendendo a conviver com ela, respeitando-a, trabalhando a integração de mínimo impacto com outros e com ambientes naturais.

A escalada é um esporte completo: físico, social e psicológico. Hoje em dia, infelizmente, os mitos e lendas sobre os “perigos” da escalada faz muitos abandonarem esta prática já na fase da adolescência e o desenvolvimento desta atividade regride e se estabiliza. O ser humano se dá por satisfeito e não chega a se aproveitar dos maiores benefícios deste desenvolvimento e nem ver a beleza do que está acima de sua própria cabeça. Porque parar por aí? O desenvolvimento acaba sendo subaproveitado e muitos dos seus benefícios não sendo alcançados. Nos dias de hoje, onde as responsabilidades profissionais estão cada vez mais presentes nas 24hs da vida das pessoas, a escalada é atividade essencial para o desenvolvimento de suas potencialidades.

Existem muitas modalidades diferentes de escalada, qualquer pessoa, de qualquer cultura e com qualquer classe social pode encontrar no universo da escalada uma que se encaixe no seu perfil, que lhe proporcione maior prazer, que a faça mais forte, enfim que desenvolva todas as suas potencialidades para uma vida mais autoconfiante, com maiores conquistas, mais saudável. Como dizem os escaladores: “Kmon”, vamos escalar, vamos ser felizes.

Debora Hashiguchi, formada em Educação Física (1997), especialista em Treinamento Desportivo (2006) e escaladora desde 2003.

Fonte: www.altamontanha.com








terça-feira, 12 de agosto de 2014

Escalada Esportiva - um pouco de história (continuação)

No post passado, iniciamos uma viagem no tempo para conhecer um pouco mais sobre a história e evolução da escalada esportiva. Desde o final do século XIX, passando por alguns dos principais precursores do esporte, até chegar à década de 1980, período em que a escalada esportiva passou por grandes mudanças, e ganhou o modelo que é praticado até os dias de hoje.




Apesar de ser o melhor escalador de sua época, Güllich não recebia tanto a atenção da mídia como merecia. Por outro lado, a França era considerada como centro mundial da escalada esportiva, com setores muito bem desenvolvidos e de altíssima qualidade, e isso se deve muito ao escalador Patrick Edlinger, que sob as lentes de Jean Paul Janssen criaram uma nova imagem do escalador moderno, a forma como a escalada era demonstrada enchia os olhos dos expectadores, tamanha era a leveza e beleza das técnicas. Deram a volta ao mundo e conseguiram chamar a atenção da imprensa não especializada e mostrar uma nova forma de entender a escalada esportiva. 




Mesmo sem chegar a ser o melhor escalador do mundo em termos absolutos (apesar de ter um nível de 8a+ Fr à vista e 8c Fr trabalhado), possuía um visual moderno, uma ética muito respeitosa e um estilo de vida mais “descolado”, o que atraía a atenção do público. Foi fonte de inspiração para muitos escaladores como continua sendo, e muitas revistas especializadas da época o reverenciavam.


                                           


Outra pessoa que sem dúvida merece ser lembrada com destaque nessa lista é a escaladora Lynn Hill, nascida em 1961 nos Estados Unidos.
Começou a escalar em 1975 com apenas 14 anos, e em 1979 já mandava 7c Fr (9a Br), enquanto na Europa o nível máximo masculino alcançado era 7c+ Fr (9b Br), e o nível feminino não passava de 6c+ Fr (7b Br). 


Lynn Hill em Yosemite - EUA


Ganhou mais de 30 competições internacionais, realizou alguns dos primeiros oitavos (francês) femininos, e na década de 1990 voltou a surpreender a todos com vias de 8a’s Fr (9c Br) à vista, e sobretudo o primeiro 8b+ Fr (10c Br) feminino da história da escalada mundial com a via “Masse Critique”, após o conquistador dessa via (Jean Baptiste Tribout) dizer que jamais seria feita por uma mulher.
Em 1992 deixa de lado o mundo da competição e da escalada esportiva para se dedicar à escaladas em grandes paredes, como exemplo da ascensão em livre da via “The Nose” - Yosemite em menos de 24 horas em 1994. Depois de um par de anos, voltou para o cenário da escalada esportiva com a repetição da via “To bolt or not to be”, aberta em 1986 e sendo a primeira proposta de 5.14a (10c Br) dos Estados Unidos. Com pouco mais de 50 anos de idade, Lynn Hill ainda permanece na ativa.


Lynn Hill


Foi também a partir da década de 1980 que começaram a surgir as primeiras competições de escalada. Sendo a primeira realizada em 1985 na Itália, em parede natural (rocha). Em 1987, foi realizado pela primeira vez um campeonato em parede artificial, e em 1990 aconteceu a primeira Copa do Mundo de Escalada Esportiva. Mas foi em 1992 nos jogos olímpicos de Barcelona que o esporte teve sua consagração, quando foi praticado durante o evento como demonstração ao público.


Cartaz da primeirra Copa do Mundo de Escalada


Dentro desse contexto da escalada de competição, um dos grandes nomes da escalada mundial sem sombra de dúvidas foi do escalador francês François Legrand, provavelmente o maior ganhador da história de competições internacionais de escalada esportiva.

Escalador carismático e sonhador começou sua trajetória aos 18 anos, quando saiu da casa dos pais e se refugiou em uma gruta nas falésias de Buoux na França, onde passou vários meses escalando.


François Legrand
Tendo referência grandes nomes como Lynn Hill e Yujii Hirayama, Legrand ganhou sua primeira copa do mundo em 1990 e continuaria no topo durante praticamente uma década, colecionando diversos campeonatos mundiais, copas do mundo, e outras competições internacionais como o X-Games e o tradicional Rock Master, que é realizado todos os anos na cidade de Arco na Itália e que conta com a presença de alguns dos principais escaladores do mundo.




François Legrand também teve grandes resultados na rocha com 9a Fr trabalhado e 8b Fr à vista, e viajou por diversos países ao redor do mundo, escalando e alimentando o sonho de diversos jovens escaladores que o tinham como modelo. Teve inclusive passagem pelo Brasil em 1995, quando ministrou aulas de escalada para alguns escaladores brasileiros, que haviam sido selecionados em uma seletiva realizada no SESC Ipiranga – SP.

Mas desde 1991 quando o alemão Wolfgang Güllich havia mandado a via “Action Direct”, a barreira do 9a Fr não era superada.
Uma década depois, no ano de 2001, o menino prodígio Chris Sharma sobe mais um nível para a escalada mundial, com a via “Biographie” 9a+ Fr (12a Br) em Ceüse na França. Em 1997 ele já havia realizado a primeira parte da via, que é cotada em 8c+ Fr (11b Br). Sharma chamou a junção das duas seções de “Realization”, por ser considerada a primeira desse nível. Depois de dez anos se estabelecia um novo patamar de dificuldade na esportiva mundial.


Chris Sharma na "Realization" - 9a+ Fr


Em 2008 Sharma se anota com “Jumbo Love” 9b Fr (12b Br) e avança mais um degrau no nível da escalada esportiva. Poucos meses depois realiza a primeira ascensão da via “Golpe de Estado” 9b Fr. Em setembro de 2009 realiza a primeira ascensão de “Neanderthal” , outro 9b Fr. Foi o primeiro a fazer uma via desse nível de dificuldade aceita pela comunidade escaladora, sem que houvesse alguma polêmica por trás de tal feito, uma vez que já houve em momentos anteriores  propostas para esse grau e que ainda são casos de muita discussão. Em uma outra oportunidade falaremos sobre esse assunto específico.



Apenas na década de 2010 que começariam a aparecer as primeiras repetições desse grau, com a primeira repetição de “Golpe de Estado”, feita pelo mais novo prodígio da escalada, o jovem tcheco Adam Ondra. A partir de então Ondra passaria a ser o principal protagonista do momento na escalada esportiva, após ter feito diversas vias nesse grau, inclusive derrubando vários projetos antigos. Começou a virar quase que "rotina" as notícias de grandes cadenas do garoto. Uma verdadeira "máquina de escalar".



Ondra em um crux da via "Change", primeiro 9b+ Fr do mundo
Cerca de cinco anos após Sharma haver se anotado com “Jumbo Love”, Ondra se consagra na história da escalada como o primeiro escalador a realizar uma via graduada em 9b+ Fr (12c Br), com a via “Change”, localizada na imponente parede de Flatanger – Noruega.







Foi ele juntamente com Chris Sharma, que juntos tramaram uma batalha para vencer a via mais difícil do mundo, “La dura dura” 9b+ Fr (12c Br). Ondra realizou a primeira ascensão da via e logo depois foi repetida por Sharma.

Adam Ondra comentando sobre a cadena de "La dura dura
Chris Sharma no "crux" principal de "La dura dura"

Há muitos nomes e momentos importantes da escalada esportiva que mereciam ser citados, entretanto não haveria espaço e tempo suficiente para falar o suficiente sobre grandes ícones da escalada como: Alexander Huber e Thomas Huber, Ben Moon, Iker Pou, Jacky Godoffe, Juan Manuel Garcia, Luisa Iovanne, J.B Tribout, Isabelle Patissier, John Bachar, Antoine Le Menestrel, Maurizzio Zanolla, Robyn Erbesfield, Fred Rouhling, Dan Osman, Elie Chevieux, Bernabé Fernández, Josune Bereciartu, Yuji Hirayama, Tommy Caldwel, Jerry Moffat, Didier Raboutou e tantos outros que mereciam ser citados. Em outra oportunidade falaremos sobre algumas personalidades conhecidas da escalada mundial.

A escalada esportiva segue em franco desenvolvimento, principalmente nessa última década, onde o número de adeptos cresce de forma exponencial e diversos setores novos estão sendo desenvolvidos.

Por muito pouco também a escalada esportiva não foi escolhida para fazer parte dos jogos olímpicos de 2020. Nunca chegamos tão perto de ter a modalidade de competição da escalada dentro de uma olimpíada, mas isso com certeza é só uma questão de tempo. A escalada de competição se profissionalizou e mudou muito nos últimos anos, principalmente após a fundação do IFSC (International Federation of Sport Climbing), órgão responsável pelas principais competições internacionais, e que foi desmembrado da UIAA (União Internacional das Associações de Alpinismo), órgão máximo do montanhismo mundial.

As tecnologias investidas no desenvolvimento de equipamentos também contribuíram de forma significativa para a evolução da escalada.  Os materiais cada vez mais leves e resistentes, assim como um design mais moderno e atraente, passam mais segurança e confiança para o praticante.
A história da escalada esportiva foi construída ao longo de muitas décadas, com muitas conquistas, tragédias, polêmicas, desafios e um sem número de colaboradores que fizeram e fazem da escalada um dos esportes mais fascinantes do planeta.